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REFLEXÕES SOBRE RACISMO ESTRUTURAL E PRECONCEITO NO BRASIL: Uma análise crítica

Foto do escritor: Alexsandro Alves de AraujoAlexsandro Alves de Araujo

Atualizado: há 4 dias

Racismo no Brasil
ONU: racismo no Brasil é "estrutural e institucionalizado"

Alexsandro Araujo

Senhor Amleto Henrique Ferreira-Dutton:
“Mas, vejamos bem, que será aquilo que chamamos de povo? Seguramente não é essa massa rude, de iletrados, enfermiços, encarquilhados, impaludados, mestiços e negros. A isso não se pode chamar um povo, não era isso o que mostraríamos a um estrangeiro como exemplo de nosso povo. O nosso povo é um de nós, ou seja, um como os próprios europeus. As classes trabalhadoras não podem passar disso, não serão jamais povo. Povo é raça, é cultura, é civilização, é afirmação, é nacionalidade, não é o rebotalho dessa mesma nacionalidade. Mesmo depuradas, como prevejo, as classes trabalhadoras não serão jamais o povo brasileiro, ei que esse povo será representado pela classe dirigente, única que verdadeiramente faz jus a foros de civilização e cultura nos moldes superiores europeus – pois quem somos nós senão europeus transplantados?” (Joao Ubaldo Ribeiro, viva o povo brasileiro). 
Livro Trabalho e vadiagem

A citação do escritor, Joao Ubaldo Ribeiro, no livro “Viva o povo brasileiro”, transparece o culturalismo criado por meio da formação sociocultural do Brasil, refletindo um retrato do país cuja “elite” branca, segundo Ribeiro (1995), sente-se como um europeu diante dos indivíduos mais pobres e menos afortunados. 

Baseado em Kowarick (2019), bem no início do livro “Trabalho e vadiagem” o autor dá uma noção da desigualdade social entre o povo brasileiro, baseada na cor da pele, do modo de trabalho precário, das classes miseráveis, sendo consideradas como “sub-humanos” e vítimas do preconceito. Para Almeida (2020), o racismo, que teria sido vencido pela ciência no século XX, é escamoteado em forma de preconceito, ou seja, passa a existir de outras formas. Direto, indireto, institucional e estrutural, Almeida (2020).

Como mudança no discurso, a partir da perspectiva cientifica, pretende-se diminuir o peso do racismo negando-se a concepção de raça, no entanto, ao utilizar-se um racismo indireto ainda se mantém o preconceito contra os indivíduos pretos, pardos e periféricos, Almeida (2020).

Para Almeida (2020, p. 35), “existem três concepções de racismo: 

a) – Individualista – relação entre racismo e subjetividade; 

b) – Institucional – relação entre racismo e Estado; 

c) – Estrutural – relação entre racismo e economia”. 


De acordo com o autor, se faz necessário dividir “racismo institucional de racismo estrutural”, de modo que os dois termos dizem a respeito de dimensões especificas do racismo: “com significativos impactos analíticos e políticos”. A concepção individualista admite a natureza psicológica do racismo em detrimento da natureza política. Ou seja, para Almeida (2020), “a concepção individualista pode admitir somente a existência de “preconceito, a fim de ressaltar a sua natureza psicológica”. 

Na perspectiva de Almeida (2020), se utilizar de uma fala racista é crime, no entanto, ser preconceituoso tem uma característica psicológica. Deixando o racismo de agir de uma forma objetiva e direta para agir de uma forma subjetiva e indireta, sob a forma do preconceito. Desta forma, o racismo passa desapercebido e escamoteado diante do olhar da sociedade mesmo sendo um crime

Baseado em Almeida (2020), o preconceito sustenta a base da pirâmide do racismo, uma vez que, ao se tolerar o preconceito e discriminação, corre-se o risco de subir para outro nível agindo de forma assimétrica em relação as pessoas de cor no país. Inferiorizando pessoas pelas características fenotípicas, dividindo, maltratando e assassinando indivíduos por características de cor e de origem geográfica.

Há dois casos abaixo em que se podem refletir sobre os preconceitos, direto institucional e o preconceito individual e indireto. O primeiro nos referimos ao Estigma de Goffman (2014), o preconceito baseado em questões étnicos raciais por atribuir inferioridade as pessoas pretas e pardas e o segundo, sobre a estética. O branqueamento do brasileiro como forma de reprodução de padrões europeus da sociedade.

Preconceito institucional direto: o Estigma dos Rolezinhos em 2014. Mesmo usando artigos de marcas famosas e caras jovens foram marginalizados pelas pessoas e pelos seguranças do shopping. O Mimetismo, é um estado pelo qual os indivíduos tentaram assumir características para se confundirem com as classes de estratos mais altos, porém, acabaram se deparando à frente com estruturação social da sociedade elitista, a qual, se reconhece entre si. 

Como disse Souza (2019), um erro comum ao se tratar de classe social é só levar em consideração o fator econômico e lugar de ocupação do trabalho. No conceito econômico se ignora o pertencimento de classe, o essencialismo; o indivíduo tem que dispor de uma característica que é tão importante quanto a condição econômica, se quiser circular normalmente sem chamar atenção nos espaços, um “habitus” de classe, Schubert (2018) cita Bourdieu. 

Para as pessoas a presença e o comportamento dos jovens se tratou de uma ameaça ao ambiente do shopping. 

Preconceito individual indireto: O caso do “mendigo gato” em 2012. A estética, “aparência”; um jovem morador de rua foi fotografado por uma moça enquanto passeava nas ruas de São Paulo em 2012, e após publicar em sua rede social, a foto com a qual o rapaz aparecia no fundo da fotografia, a publicação gerou uma grande repercussão por meio da mídia espetacularista. 

Mendigo gato

O indivíduo foi apelidado de “mendigo gato”, várias empresas de moda o ofereceram emprego como modelo. Além de outras propostas, a população ficou sensibilizada; “como uma pessoa tão bonita poderia estar vivendo numa situação daquela, de desprezo e abandono”? 

É muito comum vermos indivíduos pretos e pardos em situação de vulnerabilidade social, morando nas ruas como mendigos, esmoleiros, temos na maioria das vezes uma atitude blasé em relação isto, por que se torna de certa forma uma coisa “comum”.  Todavia, poucas pessoas percebem a situação de não pertencimento ou pertencimento de lugar na sociedade de classes, por meio do culturalismo da cor, pelas quais, são marginalizados pretos, pardos e pessoas periféricas todos os dias. 

Na base da nova hierarquia social moderna está a luta entre indivíduos e classes sociais pelo acesso a capitais, ou seja, tudo aquilo que funcione como facilitador na competição social por todos os tipos de recursos escassos. Como, na verdade, todos os recursos são escassos – e não apenas os recursos materiais como carros, roupas e casas, mas também os imateriais como prestigio, reconhecimento, respeito, charme ou beleza –, toda nossa vida é pré-decidida pela posse ou ausência desses capitais.  (Souza, 2019, p. 96)

Nesse  caso um quesito comum à classe média foi essencial, o fator cor da pele. Porém, mais do que isso, olhos claros e boa aparência. Mesmo ele sendo um mendigo, "não possui traços das pessoas de estratos mais baixos, pobres e miseráveis, e sim traços de aparência europeia; “então, merece uma oportunidade de mudar de vida”. 

A preocupação com a estética também é um patrimônio das elites e classe média, e pode mudar consideravelmente a situação de mobilidade de um indivíduo.

Uma efetiva condição de inferioridade, produzida pelo tratamento opressivo que o negro suportou por séculos sem nenhuma satisfação compensatória; a manutenção de critérios racialmente discriminatórios que, obstaculizando sua ascenção à simples condição de gente comum, igual a todos os demais, tornou mais difícil para ele obter educação e incorporar-se na força de trabalho dos setores modernizados. (RIBEIRO, 1995, p. 234).

Para Ribeiro (1995), “apesar da associação da pobreza com a negritude, as diferenças profundas que separam e opõem os brasileiros em estratos flagrantemente contrastantes são de natureza social”. 

Ao ignorar o fator “racismo” e igualar a situação do negro à pobreza, não se tem o dever, “teoricamente” de compensar a perda de oportunidades pelos fato de ter sido escravizado por mais de três séculos no Brasil. Todavia, há pobreza em todos os países, alguns com mais outros com menos, então o sucesso vai depender da luta individual por mobilidade social, do “mérito” de cada indivíduo. 

Assim, os brasileiros de mais nítida fisionomia racial negra, apesar de concentrados nos estratos mais pobres, não atuam social e politicamente motivados pelas diferenças raciais, mas pela conscientização do caráter histórico social – portanto incidental e superável – dos fatores que obstaculizam sua ascensão. (RIBEIRO, 1995, p. 235).

Segundo Ribeiro (1995, p. 235), “não é como “negros” que eles operam no quadro social, mas como integrantes das camadas pobres, mobilizáveis todas por iguais aspirações do progresso econômico social”. Ainda que, no Brasil o preconceito se dá por meio da cor da pele e não por fatores consanguíneos, tendendo a reconhecer como branco o mulato claro. 

Desta forma, observa Ribeiro (1995), conduz a uma expectativa de miscigenação discriminatória ao se aspirar o branqueamento da negritude em vez de aceitá-la. 

O fato de negar o racismo, como fez o ex-presidente Jair Bolsonaro, ao se dizer daltônico, não quer dizer que ele não exista, muito pelo contrário, Almeida (2020), interpreta esse conceito como “colorblindness”, a intenção de atenuar o racismo em se dizer que não se enxerga a cor.


Efeitos do preconceito institucional


Ao abordar o caso dos “Rolezinhos”, pretende-se chamar atenção à humilhação que uma sociedade elitista e meritocrática consegue infligir nos indivíduos ao ponto de se exigir padrões estéticos e de moda ao mesmo tempo em que esses fatores se tornam excludentes sociais.

Rolezinhos

Não basta parecer com a elite, tem que também possuir as características da estética, do habitus, do estilo que define e separa uma classe da outra.

Entretanto, há uma condição na qual as desigualdades superam o preconceito racial no Brasil, para Ribeiro (1995), é o fator de classes social. 

Assim é que facilmente se admite o casamento e o convívio com negros que ascendem socialmente e assumem as posturas, os maneirismos e os hábitos da classe dominante, do que com o pobre rude e grosseiro, seja ele negro, branco ou mulato, por sua discrepância social, e sua evidente marginalidade cultural. (RIBEIRO, 1995, p. 237).

O preconceito institucional é tolerado pelos indivíduos pois passa despercebido sob as normas e os padrões caracterizados para manter as instituições funcionando normalmente. Torna-se necessário uma constante política de vigilância e punição, para se manter as regras institucionais e docilizar os corpos.

Por exemplo: por definição, uma empresa é considerada uma instituição social por que precisa de pessoas para existir. 

A empresa não existe fisicamente, ela é criada através de um contrato social e um conjunto de normas, direitos e deveres e ainda deve ter uma localização fixa da sua atividade comercial como um ponto de referência. As normas da empresa são definidas em conjunto pelos empresários – são as pessoas que exercem atividade remunerada constantemente por meio da empresa. 

A empresa só existe por causa das pessoas, e funciona como foi definida para funcionar por meio dos indivíduos, ou seja, quando se diz: “isso é norma da empresa”, na verdade esta norma não foi criada pela empresa, mas deve ser mantida por ela, todavia, em algum momento, o empresário pensou que fosse fundamental para garantir o seu funcionamento. 

Pois bem, os funcionários são orientados a agir de acordo com a determinação da empresa, e algumas determinações constrangem diretamente tanto seus funcionários quanto os clientes. Da mesma forma que uma empresa, pode-se comparar ao Estado, por exemplo, como uma instituição social. 

O Estado tem as suas federações e municípios que não existem fisicamente, são um conjunto de normas, leis, deveres e obrigações que servem para conduzir o povo por meio das instituições e também se utilizam da vigilância e punição para controla-las.

Em outras palavras, é no interior das regras institucionais que os indivíduos se tornam sujeitos, visto que suas ações e seus comportamentos são inseridos em um conjunto de significados previamente estabelecidos pela estrutura social. assim, as instituições moldam o comportamento humano, tanto do ponto de vista das decisões e do cálculo racional, como dos sentimentos e preferencias. (ALMEIDA, 2020, p. 39 apud. IMMERGUTT, 2006, P. 161).

De acordo com Almeida (2020), “assim, a principal tese dos que afirmam a existência de racismo institucional é que os conflitos raciais também são parte das instituições”. Pelo fato de o preconceito indireto não ser considerado “crime”, geralmente acontecem perseguições dentro de estabelecimentos públicos, e em sua maioria privados, a pessoas pretas e pardas, como forma de se evitar “furtos” e danos ao patrimônio. No entanto, se coloca a responsabilidade sob a determinação da instituição. 

Quem determina que pretos pardos e periféricos não são pessoas de confiança são as normas de determinadas empresas. 

No caso do “Rolezinhos” em 2014, um grupo de jovens pretendia esbanjar ostentação usando roupas e artigos de marcas distintas as quais davam prestigio, no entanto, esbarraram nas normas do shopping center, e foram hostilizados pelos seguranças da instituição, por quê? As instituições também determinam e influenciam a estética, do bonito e do feio, do que pode ou não pode em termos de visualização dentro de seu ambiente. 

Para Vandenberghe (2018, p. 113), existe um fenômeno social, essencialmente ligado a divisão da sociedade de classes, a moda. Segundo Simmel, é qualquer consideração utilitária que lhe dá, de cara, um cunho estético. 

Esse tipo de circulação – Rolezinhos –, profanou o templo sagrado do consumo, da exposição estética e da ostentação.

De acordo com Bourdieu (1992):

Ao constatar que o poder econômico puro e simples e sobretudo, “a força nua do dinheiro” não constituem, necessariamente, um fundamento reconhecido do prestigio social, Max Weber distingue a classe social enquanto um grupo de indivíduos que, por partilharem a mesma “situação de classe”, isto é, a mesma “situação de mercado”, possuem as mesmas chances típicas no mercado de bens e de trabalho, as mesmas condições de existência e de experiencias pessoais, e os grupos de status (Stande) que são homens definidos por uma certa posição na hierarquia da honra e do prestigio. (Bourdieu, 1992, p. 14).

No caso do morador de rua, o fato de ser branco se tornou favorável para sua mobilidade social ascendente, todavia, mesmo sem usar artigos de moda o status relacionado a estética foi o seu salvo-conduto, enquanto que os jovens dos “rolezinhos” foram marginalizados, mesmo usando artigos caros por causa do seu habitus e a cor da pele.

Isso faz com que a cultura, os padrões estéticos e as práticas de poder de um determinado grupo tornem-se o horizonte civilizatório  do conjunto da sociedade. Assim, o domínio de homens brancos em instituições públicas – o legislativo, o judiciário, o ministério público, reitorias de universidades etc. – e instituições privadas – por exemplo, diretoria de empresas – depende, em primeiro lugar, da existência de regras e padrões que direta ou indiretamente dificultem a ascensão de negros e/ ou mulheres, e, em segundo lugar, da inexistência de espaços em que se discuta a desigualdade racial e de gênero, naturalizando, assim, o domínio do grupo formado por homens brancos. (ALMEIDA, 2020, pp. 39-41).

Diante da análise proposta, percebe-se que o racismo no Brasil se manifesta de forma complexa e multifacetada, ultrapassando a mera dimensão individual para se consolidar em estruturas institucionais e sociais.

A citação de João Ubaldo Ribeiro evidencia uma perspectiva elitista que historicamente marginalizou determinados grupos, perpetuando desigualdades que ainda hoje se fazem presentes. Ao se articular conceitos como racismo estrutural, institucional e individualista, conforme Almeida (2020), compreende-se que as relações raciais no Brasil não podem ser reduzidas a experiências isoladas de discriminação, mas devem ser analisadas à luz das dinâmicas de poder que regulam o acesso a direitos e oportunidades.

Os exemplos dos “rolezinhos” e do “mendigo gato” ilustram como o pertencimento racial e de classe influencia na percepção e no tratamento dispensado aos indivíduos. A lógica da meritocracia, frequentemente utilizada para justificar desigualdades, ignora os efeitos históricos da escravidão e da exclusão social, desconsiderando os obstáculos estruturais impostos à mobilidade de negros e periféricos.

Assim, torna-se essencial reconhecer que o preconceito e a discriminação não são fenômenos isolados, mas parte de um sistema que se reproduz e se legitima por meio de normas e práticas institucionalizadas. O enfrentamento do racismo, portanto, exige políticas públicas eficazes, mudanças culturais e uma revisão crítica das estruturas que mantêm as desigualdades.

A naturalização da exclusão e da subalternização de determinados grupos sociais reforça o status quo e dificulta transformações efetivas. Somente ao desvelar e questionar esses mecanismos será possível avançar na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde raça e classe deixem de ser determinantes na definição de oportunidades e destinos.


[1] (KOWARICK, 2019) Citação de introdução do livro Trabalho e Vadiagem.

[2] (ALMEIDA, 2020) “No século XX, parte da antropologia constitui-se a partir do esforço de demonstrar a autonomia das culturas e a inexistência de determinações biológicas capazes de hierarquizar a cultura, a religião e os sistemas políticos das sociedades”.


BIBLIOGRÁFIA


ALMEIDA, S. L. (2020). RACISMO ESTRUTURAL. São Paulo - SP: SUELI CARNEIRO; EDITORA JANDAIRA.

BOURDIEU, P. J. (2014). A reprodução. Rio de Janeiro - RJ: VOZES.

KOWARICK, L. (2019). TRABALHO E VADIAGEM. São Pualo - SP: Editora 34.

RIBEIRO, D. (1995). O POVO BRASILEIRO: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo - SP: COMPANHIA DAS LETRAS.

SOUZA, J. (2019). A elite do atraso. Rio de Janeiro - RJ: ESTAÇÃO BRASIL.


Outras fontes


ONU: racismo no Brasil é ‘estrutural e institucionalizado’. Fonte: ONU: racismo no Brasil é ‘estrutural e institucionalizado’. Acesso em: 18/03/2025.

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