A DIGITALIZAĆĆO DO EU NA VIDA COTIDIANA
- Alexsandro Alves de Araujo
- 23 de fev.
- 8 min de leitura
Atualizado: 5 de mar.

Alexsandro Araujo
AS IMPLICAĆĆES DAS REDES SOCIAIS NA VIDA POLĆTICA
"Como sociólogos, podemos negligenciar o interesse pelo mundo digital, como se ele nĆ£o tivesse influĆŖncia no mundo ārealā?
A sociologia digitalĀ se resume ao mero estudo da ācultura on-line?" Nascimento, L, F. (2020, Pg. 13).
Parafraseando o autor:
"Acreditar que estamos fazendo sociologia digital por estudar redes sociais digitais me parece totalmente equivocado."
"A sociologia digital não diz respeito somente à especificidade dos objetos que ela pesquisa, nem tampouco em relação ao uso de ferramentas digitais."
"O ponto central, na minha opinião, reside nas relações que precisam ser estabelecidas entre os métodos digitais, os dados sociais produzidos pelas tecnologias digitais e o legado das teorias sociológicas que nos foram úteis ao longo do século XX." Nascimento, L, F. (2020, Pg. 13).
As redes sociais digitais se tornaram um elemento fundamental na vida contemporĆ¢nea, influenciando nĆ£o apenas as iteraƧƵes cotidianas, mas tambĆ©m o cenĆ”rio polĆtico em nĆvel global. O ambiente digital proporciona novas formas de articulação, mobilização e debate pĆŗblico, transformando a maneira como as pessoas se relacionam com a polĆtica e com as instituiƧƵes sociais. Ou seja, o mundo digital Ć© real, apesar de nĆ£o ser fĆsico, tem grande influencias nas decisƵes sociais, culturais, politicas na realidade material. Este texto tem como objetivo discutir as implicaƧƵes das redes sociais na vida quotidiana, considerando suas influĆŖncias sobre a participação cidadĆ£ na formação de opiniĆ£o pĆŗblica e nos movimentos sociais em um contexto de avanƧo tecnológico acelerado.
Para compreender essas transformações, é necessÔrio, primeiramente, realizar uma pequena digressão histórica sobre eventos que moldaram a sociedade moderna e que são objetos de estudo da sociologia. A Revolução Industrial, com suas profundas mudanças econÓmicas e sociais, deu origem à sociologia como uma ciência voltada para a compreensão dos problemas gerados por esse novo modelo de produção e organização social. Posteriormente, a Revolução Tecnológica, impulsionada pela globalização e pelo advento da internet, ampliou as possibilidades de comunicação e permitiu que vozes antes marginalizadas ganhassem espaço no debate público, ressignificando o papel dos meios de comunicação tradicionais.
A sociologia, como mĆ©todo de anĆ”lise, busca compreender as relaƧƵes sociais em diferentes momentos históricos, adaptando suas ferramentas teóricas e metodológicas para interpretar os fenĆ“menos emergentes tanto no mundo fĆsico como no virtual. Nesse sentido, a sociologia digital, nĆ£o Ć© só um Ć© campo de investigação que examina as dinĆ¢micas sociais no espaƧo virtual, vai alĆ©m do simples estudo da "cultura on-line".
Como destaca Nascimento (2020, p. 13), não se trata apenas de analisar plataformas digitais, mas de articular métodos digitais, dados sociais produzidos pelas tecnologias e as tradições sociológicas para compreender as transformações sociais em curso.
Dessa forma, este texto propƵe na introdução um percurso que parte da anĆ”lise das mudanƧas históricas estruturantes - a Revolução Industrial e a Revolução Tecnológica - para, em seguida, discutir o papel da sociologia como mĆ©todo de compreensĆ£o dos fenĆ“menos sociais e, explorar as especificidades da sociologia digital, e por fim, explanar sobre a polarização das bolhas de informação e a propagação de fake News por meio das redes sociais na polĆtica brasileira.
A REVOLUĆĆO INDUSTRIAL

Com a revolução industrial, começaram a surgir vÔrios problemas de desigualdade econÓmica e social, fome, mÔ distribuição de renda, problemas relacionados aos novos modos de trabalho e ainda de classes.
Este cenÔrio emergente de problemas e mudanças nas configurações geogrÔficas e demogrÔficas em torno dos grandes centros urbanos configurou e contribuiu para o desbravamento da sociologia como ciência social para entender e interpretar os problemas da época.
Revolução tecnológica

O contexto da globalização, com o surgimento da Internet e da revolução tecnológica, tornou o mundo numa aldeia global fez com que se tornasse possĆvel a ampliação da voz de grupos minoritĆ”rios de vĆ”rios lugares do mundo. Com nesse turbilhĆ£o de novidades vieram as redes sociais contribuindo para vĆ”rios movimentos, como a primavera Ćrabe, por exemplo. Todo mundo tinha um celular com cĆ¢mera e a informação nĆ£o dependia mais dos meios de comunicação formal, como rĆ”dio e televisĆ£o. Os problemas locais poderiam ser vistos por pessoas do outro lado do mundo. Temos agora outro de revolução, a revolução tecnológica.
Sociologia como mƩtodo
A sociologia Ć© uma ciĆŖncia que se utiliza de mĆ©todos para analisar contextos e situaƧƵes sociais de diferentes perĆodos históricos, polĆticos, econĆ“micos, religiosos e culturais. Assim como aconteceu na revolução industrial com as mudanƧas sociais econĆ“micas etc. e na revolução tecnológica com o surgimento da internet e das redes sociais, a sociologia vai analisar os fatos e utilizar de mĆ©todos, metodologias, a própria tecnologia para se apropriar dos contextos sociais e por meios do conhecimento sociológico interpretar a realidade.
Sociologia digital

A sociologia digital Ć© um campo da sociologia que pretende abordar as configuraƧƵes sociais, assim como os autores clĆ”ssicos da sociologia fizeram em suas Ć©pocas nos seus contextos sociais. Considerando o espaƧo digital e suas interaƧƵes atravĆ©s desse meio como um campo de pesquisa social que pode promover o entendimento e o surgimento de novas teorias sociais. Os autores clĆ”ssicos analisaram as relaƧƵes de trabalho, a desigualdade social, a alienação e as teorias de classe. Como as teorias da ação social, fatos sociais, estratificação, burocracia e o contexto da religiĆ£o e do trabalho em si de suas Ć©pocas. Nesse novo contexto, hĆ” a necessidade de entendimento e interpretação de vĆ”rios fenĆ“menos contemporĆ¢neos sociais que acontecem por meio desse novo terreno. Ou seja, āA sociologia digital nĆ£o se resume ao mero estudo da ācultura on-lineā. Ela analisa o ethos ou o espĆrito do tempo por meios de estudos e pesquisas sociais nos meios digitais. Tudo o que estĆ” acontecendo agora, no Brasil e no mundo estĆ” acontecendo tambem nas redes sociais. Campanhas politicas e polĆticos se utilizam das redes para se tornarem populares, ganhar seguidores e engajamento. Fazem "passinhos", pintam o cabelo, adotam cachorro ao vivo e chamam o pĆŗblico para dar nome ao animal. Nada disso pode ser negligenciado e passar despercebido como algo virtual que nĆ£o interfere no mundo real fĆsico.
A PRIMAVERA ĆRABE E AS REDES SOCIAIS
As redes sociais desempenharam um papel significativo na culminĆ¢ncia da Primavera Ćrabe de vĆ”rias maneiras: as plataformas Facebook, Twitter e YouTube: As redes sociais nos meios digitais permitiram que os ativistas organizassem protestos e coordenasse movimentos de maneira rĆ”pida e eficiente como se estivessem próximos uns dos outros. Isso possibilitou que informaƧƵes sobre os protestos e eventos fossem compartilhadas amplamente em tempo real.

As redes sociais deram voz a pessoas que tradicionalmente nĆ£o tinham acesso aos meios de comunicação convencionais controlados pelo estado. Isso permitiu que os cidadĆ£os compartilhassem histórias, imagens e vĆdeos que destacavam abusos de direitos humanos, corrupção e outros problemas sociais, aumentando a conscientização global. As pessoas perceberam que os seus problemas eram parecidos em outros lugares do mundo.
Diferente de estruturas hierĆ”rquicas tradicionais, as redes sociais facilitaram a organização horizontal, onde pessoas comuns podiam se conectar diretamente e coordenar aƧƵes coletivas e isso pode ter sido o que ajudou na mobilização de grandes grupos de manifestantes em curtos perĆodos de tempo.
Enquanto a mĆdia tradicional era muitas vezes controlada ou censurada pelos governos, os cidadĆ£os utilizaram as redes sociais para reportar eventos e compartilhar informaƧƵes que nĆ£o eram divulgadas pelos canais convencionais. Isso foi crucial para expor a realidade do que estava acontecendo no terreno.
As imagens e relatos compartilhados nas redes sociais despertaram solidariedade global e apoio internacional para os movimentos da Primavera Ćrabe. Isso pressionou governos e organizaƧƵes internacionais a responderem aos eventos que estavam ocorrendo.
Em resumo, as redes sociais nĆ£o apenas facilitaram a organização e a mobilização dos protestos durante a Primavera Ćrabe, mas tambĆ©m desempenharam um papel crucial ao amplificar as vozes dos manifestantes, expondo injustiƧas e mobilizando apoio global.
A POLITICA BRASILEIRA E AS REDES SOCIAIS
A partir de 2016, o momento polĆtico no Brasil, marcado pelo impeachment de Dilma Rousseff, a Operação Lava Jato e a polarização crescente entre grupos de direita e esquerda, foram intensamente influenciadas e amplificadas pelas redes sociais. Essas plataformas desempenharam um papel central na intensificação dos embates polĆticos no paĆs, de vĆ”rias maneiras:
Polarização e bolhas de informação e a propagação de fake News

Os algoritmos das redes sociais, como Facebook, Twitter como tambem o uso do WhatsApp, facilitaram a criação de "bolhas de filtro", onde os usuĆ”rios tendem a se conectar com pessoas que compartilham de suas visƵes polĆticas. Isso reforƧou a polarização, pois as pessoas se expunham principalmente a conteĆŗdos que confirmavam suas crenƧas, dificultando o diĆ”logo entre posiƧƵes opostas.
O ambiente de incerteza polĆtica foi terreno fĆ©rtil para a disseminação de notĆcias falsas (fake News). A partir de 2016, muitos usuĆ”rios foram expostos a informaƧƵes imprecisas ou fabricadas, especialmente em aplicativos como o WhatsApp, que se tornou uma ferramenta central para a disseminação rĆ”pida de desinformação. Isso criou percepƧƵes distorcidas sobre os eventos polĆticos e acentuou o antagonismo entre grupos opostos.
Mobilização de movimentos e protestos e as campanhas polĆticas digitais
Assim como na Primavera Ćrabe, as redes sociais no Brasil serviram como plataformas para mobilizar protestos e aƧƵes coletivas. Movimentos como o "Fora Dilma"Ā ou o "Fora Temer"Ā utilizaram as redes para convocar manifestaƧƵes em massa, com hashtags especĆficas sendo disseminadas e organizadas em tempo real. Isso facilitou a coordenação de protestos nacionais, aumentando a participação popular.

A campanha presidencial de 2018, que culminou na eleição de Jair Bolsonaro, foi um exemplo claro de como as redes sociais se tornaram um campo de batalha polĆtico. Bolsonaro utilizou intensamente o WhatsAppĀ e outras plataformas para contornar a mĆdia tradicional e se conectar diretamente com eleitores, gerando um movimento popular online que o ajudou a vencer a eleição. O uso estratĆ©gico das redes sociais permitiu que candidatos emergissem como figuras populares sem a necessidade de grande suporte de partidos ou da mĆdia tradicional.
Amplificação de Narrativas e Ataques

Em 2018 as redes sociais intensificaram os ataques pessoais e as campanhas de difamação, onde figuras pĆŗblicas e polĆticas eram alvos de memes, vĆdeos virais e ataques verbais. Esse tipo de conteĆŗdo, muitas vezes simplificado e emocional, reforƧou divisƵes e inflamou debates, fazendo com que a polĆtica se tornasse mais sobre confronto do que diĆ”logo.
Desde 2016, as redes sociais tambĆ©m se tornaram espaƧos de pressĆ£o direta sobre polĆticos e instituiƧƵes. O engajamento online, por meio de abaixo-assinados, campanhas virais e hashtags,Ā criou um ambiente em que as decisƵes polĆticas eram frequentemente moldadas ou influenciadas pela opiniĆ£o pĆŗblica que circulava nessas plataformas.
A RADICALIZAĆĆO DO DISCURSO
As redes sociais permitiram a amplificação de discursos extremistas, tanto Ć direita quanto Ć esquerda. Com o algoritmo das plataformas favorecendo conteĆŗdos emocionais e polarizadores, as redes fomentaram uma radicalização dos discursos polĆticos, o que levou a embates mais acalorados e atĆ© violĆŖncia em alguns casos.
Em resumo, a partir de 2016, as redes sociais no Brasil transformaram-se em arenas de embate polĆtico, onde a desinformação, a polarização e a radicalização dos discursos intensificaram a tensĆ£o polĆtica no paĆs. Isso resultou em um ambiente polĆtico extremamente fragmentado, no qual as redes desempenharam um papel central ao moldar narrativas, mobilizar eleitores e criar divisƵes profundas entre diferentes segmentos da sociedade. Negligenciar os espaƧos das redes sociais, acreditando que seja só algo virtual e considerar somente o ambiente fĆsico natural como um lugar onde seja capaz de realizar pesquisas e desenvolver teorias sociais Ć© um engano. Achar ridĆculo que um candidato pinte o cabelo, por aclamação pĆŗblica feita em forma de desafio numa rede social, nĆ£o se estĆ” percebendo a subjetividade das iteraƧƵes e o engajamento com os eleitores. Antes o politico tinha que sair de porta em porta, fazer comĆcios em praƧa pĆŗblica, fazer doaƧƵes Ć s pessoas mais pobres. Hoje o carisma alcanƧado por meio das redes sociais e os espaƧos geogrĆ”ficos sĆ£o bem maiores. O mundo virtual estĆ” conectado de forma interdependente com o mundo natural.
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Nascimento, L, F. (2020). Sociologia digital: uma breve introdução. - Salvador: EDUFBA, 2020.
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